DESVIRTUAMENTO AFASTADO – TRF-2 veda associações de usar ação coletiva genérica para afastar tributação

Por Danilo Vital

O fato de uma associação preencher requisitos objetivos para o manejo de mandado de segurança coletivo não a legitima automaticamente a assim proceder. Cabe ao juiz da causa cumprir a necessária avaliação sobre o interesse de agir na tutela de direitos coletivos.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, especializada em Direito Tributário, negou recursos de associações que acionaram o Judiciário com objetivo de derrubar atos de delegados Receita Federal relacionados à cobrança de impostos. Os acórdãos são de 2020 e 2021.

Eles tratam de entidades genéricas, com estatutos que estipulam objetivos extremamente amplos, o que as daria autorização para discutir todas as questões tributárias existentes no país, independentemente do efetivo interesse de seus associados no tema.

Essa generalidade teria dois efeitos para as associações. Primeiro, permitiria o uso do mandado de segurança coletivo para atacar lei tributária em tese, em indevido controle concentrado de constitucionalidade. A prática é vedada pela Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal.

Segundo, abriria brecha para o uso abusivo da personalidade associativa. Seria o caso de aproveitar as decisões em mandados de segurança para captar associados, com a justificativa de que estes poderiam gozar dos benefícios fiscais garantidos por meio de decisões judiciais.

Esses efeitos foram identificados pelo TRF-2 em três acórdãos nos quais não reconheceu a legitimidade de duas associações para ajuizamento de mandados de segurança coletivos.

Em um deles (Apelação 0128751-40.2017.4.02.5101), foi mantida inclusive a ordem de remessa dos autos ao Ministério Público Federal e Ministério Público do Rio de Janeiro por conta de indícios de irregularidades de atuação de advogado, além de ofício à seccional fluminense da OAB.

Desvirtuamento combatido

O desvirtuamento do uso do mandado de segurança coletivo pelas associações é uma consequência negativa de acórdão do Supremo Tribunal Federal, ao delimitar o tratamento processual dado às mesmas quando ajuízam ações.

Quando movem processos em favor de seus associados, elas atuam como representantes processuais, razão pela qual se exige a autorização expressa dos mesmos, por ata de assembleia ou por ato individual.

E quando ajuízam mandado de segurança coletivo, atuam como substituto processual. Nessa hipótese, a impetração não depende da autorização dos associados e é válida mesmo quando a pretensão atinge apenas parte deles.

Já o uso do mandado de segurança coletivo por associação está disciplinado no artigo 5º, inciso LXX da Constituição Federal e exige três requisitos: que esteja legalmente constituída; em funcionamento por pelo menos um ano; e que a impetração busque a defesa de interesses dos membros ou associados.

Para coibir abusos, o TRF-2 adota a postura segundo a qual, embora o modelo de atuação seja definido por força de lei (ope legis), ele depende de análise da autoridade judicial (ope judicis) em casos excepcionais.

“Frise-se que não se trata de limitar a liberdade associativa prevista na Constituição, mas de garanti-la, de dar-lhe efetividade”, afirma o desembargador Marcus Abraham, em um dos acórdãos.

Generalidade prejudicial

Nos três acórdãos do TRF-2, a corte identificou que as associações não comprovaram membros localizados no domicílio fiscal em que ajuizadas as ações ou afetados pela tributação combatida. Assim, não há como a ação ter sido movida na defesa dos interesses de seus membros ou associados.

Em um dos casos, o mandado de segurança pede a declaração de inexigibilidade de PIS e Cofins nas vendas em mercado interno, com a base de cálculo majorada pelo ICMS, tanto no regime de apuração cumulativa ou não cumulativa, bem como na tributação concentrada ou monofásica, e ainda, para empresas sujeitas ao Simples. Além disso, requer o direito de compensar valores indevidamente recolhidos.

A autora da ação, no entanto, não demonstrou que qualquer de seus associados seria afetado especificamente por essas hipóteses, ainda que elas sejam extremamente abrangentes.

“A associação pretende defender interesse e direito individual homogêneo, de natureza tributária, em favor  de  quaisquer pessoas  jurídicas empresárias, sujeitas a qualquer regime de tributação, sem minimamente apresentar qualquer indicação de existência prévia de associados em cada uma das situações de tributação que aponta”, critica o desembargador Marcus Abraham.

Em outro caso, a associação autora da ação não apresentou documento indicando que os seus filiados, ao menos a título exemplificativo, são contribuintes dos tributos questionados e que possuem domicílio no âmbito da área de atuação da autoridade coatora.

“Não se revela legítima, diga-se, à luz da nobre autorização para impetração de mandado de segurança coletivo pelos entes associativos, prevista no art. 5º, LXX, da CRFB/88, a criação de associações com estatutos que estipulem objetivos genéricos — sem que estejam ligados a atividades ou situações específicas — e que não se encontrem voltadas à defesa de uma determinada categoria, classe ou grupo social”, disse o desembargador Theophilo Antonio Miguel Filho, relator do caso.

Abuso identificado

No caso mais extremo, o TRF-2 entendeu que a União comprovou o abuso da personalidade associativa pela autora do mandado de segurança coletivo. A entidade oferecia planos pagos, que incluíam “habilitação em todas as nossas ações coletivas”.

Segundo o desembargador Marcus Abraham, ficou identificado que associação foi criada com o objetivo de captar e possibilitar aos associados benefícios de natureza econômica, “o que não pode ser ignorado pelo judiciário e fere frontalmente o objetivo constitucional da tutela coletiva”.

“Se a Impetrante não apresenta associados que possam vir a se beneficiar do pedido posto no presente mandado de segurança, e ainda promete, para captação, aquilo que não pode dar (habilitação em ações coletivas já sedimentadas, para uso imediato dos benefícios já alcançados em nome da associação), é fato a atuação irregular, que deve ser vedada pelo Judiciário, por evidente atentado à justiça”, concluiu.

Fonte: Consultor Jurídico

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