OPINIÃO – Distribuição desproporcional de dividendo nas S.A.s após marco das startups

Por Leonardo Carneiro de Carvalho

Uma das questões mais importantes relacionadas ao direito empresarial é a possibilidade de distribuição desproporcional dos lucros sociais. 

Em princípio, podemos dizer que o tipo societário será o fator mais importante para essa discussão, pois é pacífico que nas empresas simples e de responsabilidade limitada isso é possível e previsto em lei. Mas, nas Sociedades Anônimas, essa possibilidade é objeto de debate. 

A regra geral, que consta no capítulo das sociedades simples do nosso Código Civil, determina que o sócio participa dos lucros e das perdas na proporção das suas cotas, contudo ressalvando estipulação em contrário no Contrato Social.

“Artigo 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.”

O direito de participar dos lucros de uma empresa é, provavelmente, a prerrogativa mais importante do sócio, pois é a finalidade principal que busca todo acionista de empresa. Esse lucro é distribuído por meio dos dividendos.

Conforme afirma Sergio Campinho: “O dividendo consiste na parcela de lucro líquido do exercício social que será efetivamente destinado à partilha dos acionistas” (Lei das Sociedades Anônimas Comentada, página 454).

As Sociedades Anônimas possuem regulação própria, não sendo aplicado a elas a regra do artigo 1007 do Código Civil citado acima. A lei das Sociedades Anônimas elenca direitos essenciais dos acionistas em seu artigo 109. O primeiro direito elencado é justamente o de participar dos lucros da sociedade. 

No caso de sociedade anônimas, a lei estabelece a possibilidade da existência de tipos diversos de ações, divididas conforme as seguintes espécies: ordinárias, preferenciais e de fruição. 

Em razão da lei de sociedade anônima não ter um artigo equivalente ao 1.007 do Código Civil, considerando ainda que o artigo 109 da lei das S.A estabelece que “nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de participar dos lucros sociais”; e por serem as Sociedades Anônimas tipo societário de capital e não de pessoas, era pacífico o entendimento de que, dentre ações da mesma espécie, não poderia haver distribuição desproporcional de dividendos.

Com a entrada em vigor da lei complementar nº 182 de 2021, que instituiu o marco legal das startups, a lei das Sociedades Anônimas sofreu algumas alterações, entre elas a seguinte:

“Artigo 294. A companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 poderá:

§4º Na hipótese de omissão do estatuto quanto à distribuição de dividendos, estes serão estabelecidos livremente pela assembleia geral, hipótese em que não se aplicará o disposto no artigo 202 desta Lei, desde que não seja prejudicado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade.

§5º Ato do Ministro de Estado da Economia disciplinará o disposto neste artigo”.

Em razão dessa alteração, alguns juristas entendem que a lei passou a permitir, em alguns casos, a estipulação de distribuição desproporcional de dividendos pela assembleia geral, principalmente em função da expressão “estabelecidos livremente” e da autorização de não aplicação do artigo 202 da lei das SAs, que trata justamente de dividendos obrigatórios, no caso de omissão do estatuto.

Contudo, ainda não há julgados dos tribunais ou produção doutrinária suficientes, que possibilitem elucidar essa dúvida de forma clara.

O que, aparentemente, a lei tentou resolver foi a omissão, que pode existir nos estatutos de algumas companhias, relativa à distribuição de dividendos e como isso poderia ser resolvido pelos acionistas, posteriormente à constituição da companhia.

A mudança tenta dar liberdade maior às sociedades anônimas de capital fechado com receita até um determinado limite, justamente para desburocratizar o desenvolvimento de startups ou companhias tradicionais que estão iniciando suas atividades, tornando o ambiente de negócio mais dinâmico e rápido para esse novo segmento da economia, que possui sistemática societária própria e inovadora.

Infelizmente, a lei acabou não sendo clara sobre a possibilidade ou não de distribuição desproporcional de dividendos, contudo a expressão utilizada “estabelecidos livremente pela assembleia” e a restrição de aplicação desse artigo apenas às companhias fechadas e com faturamento limitado, induz ao entendimento de que, até um pronunciamento contrário do ministro da economia ou da jurisprudência, os sócios podem sim propor dividendos desproporcionais, mesmo em ações da mesma espécie, desde que a companhia seja de capital fechado e com receita bruta anual de até setenta e oito milhões de reais.     

Nosso entendimento, contudo, é no sentido de que a nova lei não teve a intenção de autorizar diretamente a distribuição de dividendos desproporcional na mesma espécie de ações, mas sim de dar mais liberdade à assembleia para definir como serão distribuídos o lucro líquido em companhias fechadas de pequeno porte, até porque, uma questão que fica é: e nos casos de a companhia ultrapassar em um determinado ano o teto limite de 78 milhões e em outro ano não ultrapassar, significaria então que a companhia poderia distribuir desproporcionalmente em um ano e em outro não?

Dessa forma, fica mais claro que a mudança legislativa teve preocupação em dar mais liberdade ao que seria feito com o lucro líquido do que à distribuição entre os sócios com ações de mesma espécie, tanto que o artigo resguarda “o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade”.

Ademais, a lei prevê a possibilidade de o ministro de Estado da Economia disciplinar o que foi disposto no artigo 294. O Ministério da Economia já publicou uma portaria sobre esse artigo, contudo ela tratou apenas das publicações e divulgações dessas companhias e não de distribuição de lucro.   

Conclui-se, então, que devido à liberdade concedida pelo artigo, provavelmente veremos diversas startups aplicando a sistemática de distribuição desproporcional de dividendos, até porque possuem dinâmica diversa de companhias tradicionais e precisam de mais liberdade para atrair investimentos, principalmente na sua formação.

Acreditamos que poderemos ter essa discussão mais aprofundada num futuro próximo e até mesmo uma nova portaria do Ministério da Economia, deixando mais clara até que ponto vai a liberdade das companhias ou até mesmo regulamentando limites mínimos à distribuição dos dividendos.

Precisamos destacar, ainda, três princípios trazidos pela lei, que pode deixar mais claro os seus objetivos. O artigo 3º diz que são princípios e diretrizes da lei:

“I – reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental;

III – importância das empresas como agentes centrais do impulso inovador em contexto de livre mercado;

IX – promoção da competitividade das empresas brasileiras e da internacionalização e da atração de investimentos estrangeiros”.

Se o objetivo da lei foi o de melhorar a competitividade, o de atrair capital para o setor produtivo, o desenvolvimento econômico e o livre mercado; provavelmente caminharemos para ter mais liberdade privada e menos intervenção estatal, possibilitando essa distribuição desproporcional de forma mais pacífica.

Fonte: Consultor Jurídico

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