- 30 de setembro de 2019
- Contabilidade , Governo , Tributação
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OPINIÃO – Majoração tributária na distribuição de dividendos feita em excesso não tem amparo legal
O § 4º do art. 238 da IN RFB 1.700/17 trouxe majoração relevante – sem amparo na lei – quanto à carga tributária que até então vinha sendo aplicada na hipótese específica de distribuição de dividendos feita em excesso, em face dos lucros efetivamente disponíveis na escrita contábil.
Em suma, foi abandonada a tributação do excesso como um rendimento ordinário (sujeito ao IR pelas alíquotas normais de até 27,5% na pessoa física e de 34% na pessoa jurídica) para ser adotado, subitamente, o regime tributário do “pagamento sem causa” (art. 61 da Lei 8.981/95), com alíquota efetiva de 53% (e tributação exclusiva de fonte).
Como se sabe, é isenta de imposto de renda a distribuição de dividendos aos sócios (art. 10 da Lei 9.249/95) se a sociedade tiver submetido seu lucro à tributação por um dos regimes disponíveis (lucro real, presumido ou arbitrado), e até o limite do saldo de lucros existente na escrituração contábil (resultado do exercício e lucros acumulados de exercícios anteriores).
Se for tributada no regime do lucro presumido, por exemplo, a pessoa jurídica paga seus impostos em um percentual fixo sobre a receita, e sob a ótica fiscal pode então distribuir lucros com isenção do imposto de renda até o limite daquele percentual (que é de 8%, 16% ou 32% do faturamento bruto, conforme a atividade econômica), após a dedução dos tributos federais (IRPJ, CSL, PIS e COFINS). Ocorre que no lucro presumido também são isentos do imposto, na distribuição, os dividendos pagos além desse limite, desde que haja lucros disponíveis na escrituração contábil em montante superior ao lucro “presumido” pela regra fiscal (art. 725 do Decreto 9.580/18).
Com frequência os lucros da sociedade vão sendo distribuídos antecipadamente já no curso do período de apuração, à conta do resultado final esperado para o período (até porque não há uma regra que imponha à empresa distribuir os lucros apenas ao final do exercício fiscal), mas não raro essa antecipação pode dar origem – sem que haja intenção de lesar o erário – a uma indesejada distribuição em montante que acaba superando os lucros disponíveis na contabilidade. Isso pode ocorrer quando perdas inesperadas surgem apenas no final do período e diminuem o resultado, frustrando as expectativas nutridas no momento da antecipação da distribuição.
Como não há previsão legal expressa para especificar como deve ser tributado o excesso acima descrito, o fenômeno vinha sendo tratado apenas como um rendimento adicional pago ao sócio – sujeito a uma incidência normal de imposto de renda pela tabela progressiva, por exemplo, no caso de pessoas físicas, ou por meio de acréscimo ao lucro tributável, para fins de IRPJ e de CSL, no caso de pessoa jurídica (art. 28 da Instrução Normativa RFB 1.397/13 e § 4º do art. 141 da IN RFB 1.515/14).
Todavia, o art. 238 (§ 4º) da IN RFB 1.700/17 revogou a IN RFB 1.515/14 e inovou o tratamento tributário até então adotado, mesmo sem ter havido mudança na legislação, e a Receita Federal passou a equiparar o singelo excesso de dividendos ao famigerado “pagamento sem causa”, que está sujeito ao regime tributário mais gravoso previsto no art. 61 da Lei 8.981/95, de maneira que a carga tributária foi brutalmente majorada.
Com efeito, o pagamento sem causa está sujeito ao IR exclusivamente na fonte, à alíquota de 35%, mas com recomposição obrigatória da base de cálculo (“gross up”) para que a fonte pagadora assuma o ônus do imposto, o que representa uma alíquota real de 53% sobre tais pagamentos – sejam eles feitos a pessoas físicas ou jurídicas, que até então eram submetidas, respectivamente, às alíquotas máximas de 27,5% e 34%, em regime de oferecimento espontâneo à tributação pelo próprio contribuinte (no âmbito do chamado auto-lançamento).
Ora, o mero descuido na distribuição (indesejada) de dividendos em excesso aos lucros disponíveis na contabilidade foi agora abruptamente equiparado pelo fisco (por meio de singelo ato administrativo) a situações de muito maior gravidade, sujeitas a uma carga tributária verdadeiramente punitiva – aplicável somente quando se comprova uma injustificada liberalidade por parte da fonte pagadora. Tanto é assim que o imposto por “pagamento sem causa” só é exigido pelas autoridades fazendárias, na prática, em lançamento de ofício (auto de infração).
A despeito das inúmeras ilegalidades na nova interpretação fazendária (e sem perder de vista sua inaceitável vigência imediata), a elevada carga tributária acima mencionada justifica até mesmo o estudo da possibilidade de estorno da eventual distribuição em excesso, antes de qualquer autuação, a depender das circunstâncias concretas, mediante aplicação analógica do entendimento contido no Parecer Normativo COSIT 5/95 – que dispensa a incidência do imposto na devolução eficaz do rendimento recebido a maior justamente quando o pagamento decorre de equívoco.
Fonte: Consultor Jurídico